Eu acompanho a história da moda brasileira há anos e me surpreendi ao ver como o nome de Ocimar Versolato, apagado por algum tempo, volta a ganhar força nas conversas que importam.
O dia em que Paris parou para um brasileiro
17 de outubro de 1994, hotel Lutetia, Saint-Germain-dès-Prés. Na passarela montada em um palácio de 1910, o paulista de 33 anos mostrava sua segunda coleção em solo francês.
Anjos do Inferno, como foi batizada, tinha apenas 21 looks. Bastaram. Tricoline e lã fria, tecidos de alfaiataria masculina, viraram vestidos repletos de fendas, recortes e decotes que deixaram críticos e compradores hipnotizados.
Nos bastidores, o repórter Tim Blanks descreveu o clima como “Carnaval”, reforçando a aura brasileira que pairava sobre o desfile.
Do ABC ao mundo: talento precoce
Nascido em 1º de abril de 1961, em São Bernardo do Campo, Ocimar segundo filho de Maria Aparecida Versolato Calandreli. O pai, Odaci, morreu em 1965 em um acidente de barco, deixando quatro crianças pequenas.
A mãe, professora de corte e costura, viu cedo a habilidade do menino: guardanapos viravam saias para as bonecas Susi da irmã Omara. Ainda criança, ele já opinava em moldes e formatava peças.
Infância culta e avô incentivador
O avô materno abastecia a casa com revistas internacionais e jornais diários. Foi assim que Ocimar e o irmão Odamar, um ano mais velho, aprenderam sobre arte, política e cultura pop.
Ambos mergulharam em peças de teatro na adolescência, mas um show mudou tudo: Secos & Molhados em Santo André. Ney Matogrosso — futuro amigo e cliente — fez o jovem decidir que trabalharia com imagem, corpo e ousadia.
Noite livre, primeiros amores, primeira marca
Nos anos 1980, a cena paulistana era pulsante. Na boate Off, em 1981, Ocimar conheceu Georges Robert, seu primeiro namorado. Juntos, exploraram espaços como Nostro Mundo e Homo Sapiens, símbolos de uma época pré-Aids em que a liberdade sexual parecia ilimitada.
Antes disso, aos 16, ele e o irmão abriram uma confecção. Tentou arquitetura, mas logo largou curso e estágio para desenhar roupas. A empresa cresceu, chegou a 200 costureiras. Até que o sócio o dispensou. Na versão do estilista, recebeu uma passagem, US$ 3 000 e o recado: “Vá para Paris e seja o maior do mundo”.
Studio Berçot: a lapidação em Paris
Em 1987, matriculou-se no lendário Studio Berçot, comandado por Marie Rucki. Para pagar as contas, produzia figurinos de teatro e peças avulsas. Quando ficou inadimplente, Marie permitiu que continuasse sem pagar, acreditando no potencial do brasileiro.
Dois anos depois, formou-se como melhor aluno e representou a França no concurso Reencontro de Jovens Talentos, em Zurique. Saiu vencedor, avalizado por Christian Lacroix.
Diversão e veneno, luz e sombra
Versolato reunia carisma incomum e língua afiada. Modelos como Gisele Zelauy lembram o contraste: “Ele podia ser supernaïf e, de repente, virar Dr. Jekyll e Mr. Hyde”. O humor ácido encantava e, às vezes, magoava.
Promessa a Marie Rucki e o fardo da fama
Ainda aluno, prometeu à diretora do Berçot que não se deixaria cegar por dinheiro e reconhecimento. Anos depois, admitiria no livro Vestido em Chamas que falhou: “É impossível ficar indiferente ao sucesso”.
Marie, por e-mail, disse nunca ter cobrado essa promessa, mas chamava atenção para a incapacidade de muitos jovens em lidar com as “regras implacáveis” da moda.
Sequência de vitórias na passarela
Sete meses antes do histórico desfile no Lutetia, sua estreia em Paris já fora elogiada por crítica e lojistas. Na terceira temporada, março de 1995, o casting incluiu Naomi Campbell, Karen Mulder e a brasileira Gisele Zelauy, consolidando-o como aposta quente do circuito.
Por que quase esquecemos Ocimar?
Ele foi o primeiro brasileiro a desfilar na semana de moda parisiense, a dirigir a tradicional Lanvin e a integrar o calendário da alta-costura. Ainda assim, seu nome sumiu dos livros de história da moda nacional.
O podcast “Ocimar Versolato do Avesso”, da ELLE Brasil, tenta decifrar essa lacuna em quatro episódios, relembrando conquistas e tropeços de uma trajetória que terminou há oito anos, mas ainda intriga o mercado.
- Primeiro brasileiro na alta-costura de Paris
- Diretor criativo da Lanvin nos anos 1990
- Reconhecido por Christian Lacroix em concurso internacional
- Atmosfera de “Carnaval” no desfile que sacudiu o Lutetia
O legado de Ocimar Versolato, feito de coragem estética e personalidade inquieta, volta a ser discutido — agora, longe das luzes cruéis das passarelas, mas com o mesmo potencial de inspirar novas gerações.

Escrito por Neide Souza

